09 novembro 2009

Breve histórico de um caminho

1979 - eu nem sabia se estava mesmo viva; via vultos; berrava; pedia braço, abraço, colo e leite quente. Peito. Era dona de uma situação tão minha quanto as minhas certezas de agora. Urrava sem mesmo entender qualquer coisa, sem mesmo lamentar.

1984 - a melhor coisa do mundo havia de ser uma tv a cores, a praia mansa - ao menos a que tinha a meu alcance - de vento mole e coca-cola. Meus cabelos dominavam todo o litoral do meu rosto, extensos e informes. Sorriso de filho que não sabe o que existe, além de uma boneca negra que imitava bebê. Comia lápis de cera, numa espécie de insubordinação inocente.

1989 - diretas, constituição, presidente eleito. A Xuxa era a referência de beleza, inteligência e competência. Barbies já tinham seu lugar. Nova escola, novos amigos. Primeira paixão, talvez. Tão irrealizada quanto as que vieram em seguida. O meu mundo era expresso em desenhos. Alguns muito bons até.

1994 - beijos, beijos, beijos. Conquistadores motorizados ou livres para beber e fumar. Tórridas e ardentes paixões utópicas. Vida para a dança, a rua, os beijos. Rodopios, fugas, juras de amor. Noites viradas, suadas e imaculáveis. Amizades fiéis para sempre. Chorava agora entendendo algo muito mais dolorido. Braço, abraço e colo serviam. Pouco.

1999 - sexo e mais. Amigos e mais. Estudos e mais. Tudo o que eu pudesse, quisesse... Realidade mesquinha: eu não podia, não podia. Autoregramento intenso, firme, reto. Ressentimento, dor, câncer de alma e máscaras, e máscaras, e máscaras. E desenhos.

2004 - alguma fuga, alguma ousadia. O choro era denso, mas disfarçado. Sabia que estava viva, mesmo parcialmente morta. Planos à prova, ideais à prova. Regra, trabalho, casamento. Poesia; coração atado. Doído.

2009 - maternidade plena e confusa. Vira-volta: rumo ao passado, à liberdade adolescente, aos beijos, beijos, beijos. Ao sexo. A crença, calejada e desconfiada, entregue e insegura, no amor de novo. No mais errado dos caminhos; na mais incerta aposta. Eu: mulher intensa e amiga decepcionante.