30 setembro 2012

273/365
Marina

Ser alegre, para ela, é parecer alegre, é fingir. É, acima de tudo, sentir inveja da alegria real de outrem. Amar ama; viver vive; trabalhar trabalha; rezar reza; sofrer sofre; problemas tem. Tudo dentro da normalidade pequeno burguesa típica e medianamente classe média. Alegria, no entanto, é artificial, como uma fatura apresentada a uma sociedade que a acolhe e despreza. Mulher de tino, talvez, desextraída a apatia. Mas mulher sem timo.

29 setembro 2012

272/365
Hebe

Acabou a missão dela. A luz não.
271/365
Sebastiana

Acácio conheceu Sebastiana em 1977, meio índia, cabeluda. Acompanhou o crescimento físico e talentoso dela. Soube, seis anos atrás, que ela fugiu para Rondônia. Sente falta das noites varadas conversando ou tocando violão. Cigarro, violão, cerveja. Sente falta dos olhos e do amargor de Sebastiana.

27 setembro 2012

270/365
Nathália

André tomou banho e saiu para a padaria. Voltou e tomou banho. Outro banho? Deve ser o calor.

26 setembro 2012

269/365
Leandra

Tenho nome de atriz famosa, vinte anos mais jovem do que eu, mas sou um trapo humano. Minha pele tem cor de poluição; meu hálito e minhas secreções têm mais germes, vírus e bactérias do que qualquer pessoa com higiene duvidosa. Eu não tenho higiene alguma. Morar mora-se em casa, com banheiro, água encanada, esgoto. Ou nem isso, se for uma fazenda, mas se tem família ou um fogão à lenha, pelo menos. Na rua não se mora: se dorme, se come, se perambula, se droga, se rouba, se cansa, se esquece que é gente. Não me lembro do cheiro de um banheiro limpo. Do meu passado, só tenho o nome: Leandra. Não aceito apelido.


268/365
Jandira

Suor. Carlos chegou. Raspei a periquita e fiz feijão gordo. Ele gosta. Botei o Julião, o Carlos Jr, o Frederico e o Riquelme pra dormir na vizinha. Passei o perfume que ele adora. Sintonizei, baixinho, uma rádio romântica. Carlos chegou. Cachaça. Não, isso não vai prestar. Vagabundo, jogou o prato longe - ainda estava quentinho. Ele odeia rádio quando bebe. Ele vai me matar. Onde estão meus meninos? Onde me escondo?

24 setembro 2012

267/365
Fabrícia
 
Coisas que jamais fiz: nunca fui presa; nunca perdi oportunidades de emprego, mesmo que já estivesse empregada - mas isso me fez ter uma carreira irregular; nunca tive filhos; nunca disse eu te amo com sinceridade a ninguém; nunca assisti Lost; nunca consegui comprar um ventilador que desse conta do calor de Palmas; nunca fiz compras de supermercado sozinha; nunca fui traída; nunca aprendi a dançar salsa ou rumba; nunca ganhei honestamente uma partida de sinuca; nunca saí do Brasil; nunca joguei um jogo oficial de vôlei fora do banco de reservas; nunca preparei um jantar romântico pra ninguém; nunca recusei um convite para churrasco na laje; nunca comi jiló; nunca estudei o suficiente; nunca fiz jogo de sedução para um homem que eu achasse que valesse a pena; nunca encontrei um homem que valesse a pena. 

23 setembro 2012

266/365
Carolynne

Coisas que já fiz: papel de idiota total, esperando um namoradinho gringo na porta da casa dele, em Barcelona, para vê-lo sair com uma ruiva; papel de idiota total II, cantando num programa de TV, certa de que minha vocação era essa - e nunca foi; papel de idiota total III, comprando carnês vencidos ou fraudados do Silvio Santos de um falso ambulante na Sé; voei de asa delta; mochilei pela Europa; namorei um japonês pelo tempo exato necessário para aprender seu idioma; bordei toalhas com senhoras do Lar dos Velhinhos, em Brasília; sumi deste mundo por três meses; tive um filho; enterrei minha avó, que me criou; faculdade de Física, História, Matemática e Estatística - sem concluir nenhuma; tive outro filho; comprei uma casa em Madureira; casei; papel de idiota total IV - perdi a casa num jogo de azar; aprendi a dirigir.

22 setembro 2012

265/365
Vitória

E no decorrer da conversa descobriram-se, as três, mães solteiras. E entre as coincidências, dicas, sugestões e experiências trocadas, chegaram ao seguinte resultado sobre os respectivos pais: o da primeira era um crápula mercenário e pão duro, não pagava pensão, mas era presente na vida do menino, carinhoso, atencioso; o da segunda, pagava uma quantia mensal bem gorda, que a permitia trabalhar menos inclusive, mas não lembrava nem do aniversário da princesinha; o de Vitória, nem pensão, nem atenção. E assim a conversa se voltou para ela, um turbilhão de orientações para mudar a situação de modo inteligente e eficaz. Vitória sequer ouviu. Optara, há muitos, pela paz.

264/365
Aparecida

Casou-se virgem. Nos primeiros meses mentia para todos, contando, sem detalhes, as alegrias da vida a dois. Não sustentou a versão - a mãe e as primas já desconfiavam -, pois viu-se diante do inusitado diagóstico proferido por sua médica de confiança: alergia aguda a esperma. Ou ao menos ao esperma do amado, que nem se sabia mais amado, que nem sabia sentir vontade de ter relações com Cida. Os exames não puderam detectar outra coisa. Mas a médica a confortou: é apenas uma alergia. Não vai matar ninguém. Vida normal? Filhos? Talvez, se ela conseguir superar o medo da coceira. E se ele conseguir superar o medo da cara dela durante o ataque.

20 setembro 2012

263/365
Tatiana

Os seios cheios ficaram para antes da chegada do menino, quanto tudo mudou. O corpo voltou. A alegria, idem. O coração não - foi ajeitado, ajustado, arrumado. Vida que segue. Com os seios pequenos, é ainda guerreira e esperta. Cheia de vida, cheia de cor.

19 setembro 2012

262/365
Nathaly

O equinócio estava próximo e algo no corpo dela dizia isso. Dor? Incômodo? Suspeitou de TPM, gravidez, climatério, o escambau, mas nunca do instante em que o Sol cruza o plano do equador celeste no ponto em que a eclípica cruza o equador celeste. Intuitivamente, procurou um astrólogo - que quis chamar de astrônomo por sua conta - e ele explicou: Nathaly era primaveril - em todo e qualquer sentido que a palavra possa receber. Não à toa, nasceu em um equinócio de setembro; não à toa, tinha um signo que variava de acordo com a vontade do horóscopo: virgem ou libra. Devia sentir-se bem entre os dois, misturando características e destino. Mas, apesar das descobertas, o algo estranho no corpo, motivador da visita, o astrólogo informou: eram gases, nada mais.

18 setembro 2012

261/365
Raquel

A moça perguntou quanto era o aluguel da mesa da Galinha Pintadinha. Eu disse R$ 150. Ela respondeu: "ótimo, quero alugar". Aí preenchemos os papéis e, aos poucos ela foi se irritando. Primeiro, quando informei que as toalhas e o cavalete não estavam inclusos e custavam R$ 40. Depois, o frete, R$ 30. Ela gritou que mora a menos de cem metros da loja. Então eu disse que era melhor ela vir buscar. Ela respirou fundo. Achei que ia ficar tudo bem, então informei que, caso o material voltasse sujo, a taxa de limpeza seria cobrada: R$ 30. Mas ela só começou a me agredir mesmo quando eu disse que, por conta da data da festa cair no fim de semana, o aluguel sairia R$ 20 mais caro.

17 setembro 2012

260/365
Marília

Sonhei com o crápula do Dirceu. Não adiantou acordar no meio da noite, respirar, fazer xixi e tomar água; o sonho continuou até as 7h, em sequência absurdamente clara. Conteúdo real, mas que nunca existiu. Estávamos juntos ainda, mas o sentimento da separação era óbvio. Ele me tratava como uma cachorra. Passava por mim, dentro da casa, com o único cuidado de não esbarrar. Eu o chamava, perguntava coisas, inclusive quis esclarecimentos sobre aquela situação - afinal, não tínhamos nos separado? Ele me ignorava. Parecia apenas tolerar a minha presença. Pouco depois, não estávamos sozinhos. Havia uma moça com quem ele conversava e falava sobre o trabalho e a casa. Com ela, consegui conversar, mas se recusou a me explicar qualquer coisa relacionada ao meu casamento com Dirceu. Comecei a ser tratada por ela como uma clandestina, às vezes efetivamente escondida. Ela me respondia tudo sobre a casa, o trabalho dos dois, os filhos (filhos?). Acordei justo quando presenciava um beijo deles. Apaixonado. É, caiu a ficha. Morri para Dirceu.

16 setembro 2012

259/365
Palmira

Me chamam de camela, pois sou a única a gostar da seca brasiliense. Nunca tomo muita água mesmo, meu corpo está adaptado. As roupas e as unhas secam logo, os cabelos ficam menos oleosos e até o porco do meu enteado, o Ismael, usa hidratante após o banho. Tenho disposição para lavar meu alpendre todos os domingos, durmo mais cedo e o silêncio é permanente em casa - as crianças economizam saliva. E o melhor: a minha sorveteria vira o sucesso do Gama.

15 setembro 2012

258/365
Noemia

Deitou-se no colo da vovó Noemia - aconchego garantido. Estava brava com a mãe, que a impedira de ver televisão. Ela não fez o dever. À avó não cabia sequer comentar a decisão da mãe. Bastava o silêncio habitual, o cafuné, o copão de café com leite. Noemia era avó das antigas. Apesar da cara esticada por botox e do corpo bem arrumado pela malhação diária, cheirava a flor, rezava toda noite e ensinara a neta a fazer biscoitos de povilho.

257/365
Aluísia

Entendeu que era hora de gritar, urrar. No entanto, comedida que é, optou por uma pergunta direcionada: quantas vezes mais vou ter que repetir que quero ser fútil às vezes? Do outro lado, a incompreensão de Hudson aumentava. Não entendia porque uma mulher inteligente e profissionalmente promissora - a sua futura esposa, afinal - se encantava com novela, programas de auditório, design kitsch, rap e bingo.

13 setembro 2012

256/365
Marcelle

Não aprendeu a ouvir "não". Não é exatamente uma lutadora, motivada por adversidades. Os "nãos" a fazem fazer birra, sapatear. E a coerência lhe é certa: também não aprendeu a dizer "não". Faz com sorriso, feliz ou triste, sem pensar no que realmente quer, o que lhe pedem.

12 setembro 2012

255/365
Lázara

Já estou malhando mais efetivamente. Notam-se músculos saltados nas minhas coxas, os braços mais definidos, barriga travada, bunda empinada. Sim, eu poderia ser uma mulher fruta. Os cabelos vou descolorir amanhã e, na terça, pego a roupa na costureira - a roupa do vídeo. Comprei vários shorts pequeninos. Exibo diariamente uma silhueta invejável, bronzeada e saudável. Simpatia? Na maioria dos dias, sim. Tranquei a faculdade de fisioterapia, que faço só para passar o tempo porque gosto de corpos. Sou oftalmologista (gosto de olhos também) e já pedi licença do hospital em que trabalho. Porque agora tenho apenas dois objetivos: passar na cara do César o que ele perdeu e entrar no Big Brother Brasil 13.

254/365
Janaína

Devia ser algo mágico, impossível de compreender com as partes do cérebro que resolvemos - humanos - desenvolver. Para lidar com qualquer um neste mundo, tudo normal. Para lidar com a professora, não. Ela entendia Janaína sem que esta precisasse ser muito específica ou detalhista ou objetiva. Uma falava e a outra completava, com raciocínio processado, solução e precisão. Haviam sido mãe e filha ou pai e filho ou pai e filha ou mãe e filho em uma vida passada. Ligação forte, fisiológica até. Nesta vida, encontraram-se pelo acaso da busca profissional de Janaína e pelo ofício de Jerusa. E se admiravam do que quiseram chamar de coincidências. Estão, neste instante, quase apaixonadas.

10 setembro 2012

253/365
Hélida

Portuguesa gélida. Mandou Amaral ao inferno logo no início da conversa. Não tem tempo a perder. Se algo dá sinais de problemas, lima. Amaral, doce, cometeu o pecado de pedir que ela telefonasse logo que chegasse em casa, para ele saber se tinha chegado bem. Hélida não enxerga boas intenções. Para ela, é tudo prático, reto, sem sonhos ou devaneios. Decidida.

09 setembro 2012

252/365
Fabiana

Mainha disse que fui insolente. Mas acabou que meu pequeno ato revolucionário não invalidou a benção do pastor. Revolucionário até que ponto? Eu não estava armada com o meu silêncio não. Até quis responder, mas não consegui. Foi anatomicamente impossível. Emudeci e meus lábios grudaram, ao mesmo tempo, sem premeditação. A repercussão, no entanto, foi terrível. Na minha amada igreja, fiquei conhecida como aquela que não disse amém quando convidada a confirmar que a mulher deve ser submissa, ajudadora do homem na sua missão na terra. O pastor nos casou, mesmo assim. Com Wanderson não falei a respeito, mas pude ver em seus olhos que ele aprovou minha afonez.

08 setembro 2012

251/365
Damiana

O cansaço, a semana cheia, a incompreensão me fizeram sentir dor de cabeça. A dor de cabeça me fez acordar impossibilitada de faxinar a casa da dona Yuki. A falta ao trabalho me fez não receber qualquer dinheiro para o fim de semana. Sem dinheiro, como comprar o presente e preparar uma festinha de aniversário para o Rico, meu amor? Sem presente e sem festinha, Rico se irrita e volta a especular se tenho um amante, pois não ligo pra ele e... o que eu fiz com o dinheiro? Com Rico irritado, sem amante, sem dinheiro. Que cansaço! A semana vai ser cheia de incompreensão e dor de cabeça.

07 setembro 2012

250/365
Bianca

Não entendo porque, nesta cidade, o nosso parece ser o salão menos frequentado. Nosso preço é bom, está na média. Tudo bem que não somos um poço de simpatia - e lá no Maranhão ninguém é -, mas eu e a Dionízia fazemos unha bem, minha cunhada depila bem e minhas irmãs são ótimas com penteados, escovas, hidratações, alisamentos, tinturas. Minha prima é a responsável pela maquiagem. Até concurso já ganhou. O que falta, então? Sorriso?

06 setembro 2012

249/365
Ana

- Isso é mais comum do que tu imagina, filha.
- (com lágrimas nos olhos) Pode ser comum, mãe, mas dói tanto. Assim que eu me firmar em São Paulo mando buscar os meninos. Escreva o que tô lhe dizendo.

05 setembro 2012

248/365
Yane

Então, por culpa, liguei para o Wilson e disse que estava com muita saudade. Ele foi afetuoso. O meu sentimento era sincero: naquele momento, eu era plena de saudades. Mas não de Wilson. Pela manhã, tive que vasculhar mensagens antigas para provar que havia entrado em contato com a minha operadora de celular dois anos antes informando um problema crônico. Evitavelmente – mas um impulso qualquer me fez querer –, comecei a reler e-mails do Jorge. Namoramos serenamente por oito meses e ele se mudou para outro país. Espirituoso, em uma das conversas que encontrei, ralhava comigo por eu ter lhe contado que conhecera Wilson: “como assim namorando? Nós nem terminamos”. Escolhia cada palavra, certo de que me faria rir e rir e rir. E, sim, eu ria e ria e ria. Jorge lia, pacientemente, meus contos e poemas e comentava com uma mistura de carinho, admiração e seriedade. Era um crítico literário consagrado no Brasil e eu me sentia envaidecida. Até hoje não tenho certeza se ele gostava mesmo do que eu lhe mostrava ou se apenas gostava de mim. Aos poucos, deixamos de trocar correspondências. E essa relação, que com a distância se converteu em amena amizade, perdeu-se. Não sei mais dele. E é evidente que não encontrei o e-mail sobre problemas com o celular.

04 setembro 2012

247/365
Waldirene

Veio de baixo, do Baixo Xingu. Tecnologizou-se, urbana reprimida que sempre foi. Gosta de notebooks, celulares, tablets, redes sociais, blogs, emails. Gosta de dar ordens. No princípio, encantava-se com tudo, deslumbrada e alegre. Agora, entedia-se. Quando recebe mensagens com a palavra "novidade" no assunto, escolhe entre deletar e deixar para ler muitos dias depois. Dos jornais on line vê as manchetes, especial demais que é para perder tempo com isso. Gestora, impositiva e esperta, antenada. Está à frente e acima. Passado? Que passado?

03 setembro 2012

246/365
Hilda

Nome, apelido, time, tudo misturado. Parece piada. Hilda Furacão, batizada com um destino estabelecido: é a beldade preferida dos frequentadores, dos garçons e do dono do Prajá. A única com cartãozinho vip de fidelidade. Mas o bar está em reforma. A Arena está em reforma. O Atlético está em reforma. Na segundona, depois de 15 anos consecutivos na série A. Hilda Furacão lamenta: não funciona ser beldade sem público. Não tem mais onde exibir a coxa. Branca.

02 setembro 2012

245/365
Ully

Uma vez Fl... não é fácil completar essa máxima no estado em que o meu mengão se encontra. Hoje, perdeu de novo. Sinto raiva. Dá vontade de torcer pra qualquer outra porcaria. Porra, sou vítima de chacota, bullying. Mas torcer pelo rubronegro não é decisão. Não é nem mesmo paixão. É compromisso. Sempre Flamengo. Sempre Flamengo. Sempre Flamengo.
244/365
Sandra

Era bem possível que, vivendo no Parque São José, sofresse com o calor e a seca, atípicos da capital. Eram dois ônibus até a casa da patroa, Marilu, de segunda a sábado. Era uma vida dura. Os domingos reservava para duas devoções: a igreja e o futebol. Perdeu o último jogo, sexta passada, contra o Guaratinguetá. Empate. Neste 2012, reservava os domingos para louvar Jesus e chorar pelo Ceará. Na casinha pequena, no quarto que dividia com a irmã, na cama de solteiro, com colchão fino e madeira escura, amassava o recorte de jornal com os resultados da série B. Lhe agoniava o estado estanque e pouco empolgante em que o vozão se encontrava.