29 março 2013

Mondo vero

Deitei. Meu estômago doía; o tumor já se mostrava sem pudores, deixava a covardia. Não disse nada. Não fiz exame algum. Meus filhos comentaram minha palidez, sem mais preocupações. Voltei de Nápoli realizada, esquecida do anúncio fisiológico de que o fim de aproxima e acabei por contagiar minha família. Naquele domingo, antes de deitar, vi grandes sorrisos, covinhas nas bochechas denunciadoras tanto de alegria quanto de parentesco. Vi gestos, abraços, beijos, brilhos de cabelos. Senti cheiros intensos, sabores e ouvi gracejos, afagos. Fragile, na cama, pus os dentes a rezar. Grazie.

13 março 2013

Penélope

No banho, você cogita situações, ensaia discursos, diálogos, respostas. Você se imagina em seu próprio leito de morte, pedindo a alguém próximo que chame por ele. Você o vê chegar, tentando bancar o indiferente e dizendo algo como "diga logo o que quer, porque tenho compromisso", olhando para um pulso sem relógio. Você, com a calma dos que estão mais mortos que vivos, o rosto lilás e a voz rouca, lhe despeja na cara verdades engasgadas. Não com crueldade, mas com ar educativo: "vês? percebes?". E ele, afinal, deixa as lágrimas correrem, pede que o perdoe, se diz lamentoso por você estar ali, naquela situação, que queria que tudo tivesse sido diferente e. A merda é que não passa de devaneio. E logo você se enxerga saudável e ensaboada.