28 outubro 2013

Tarde em Teresina

Ofereceu o que tinha - um corpo seminu, com estrias, sob o barulho e vapor do ventilador. As muriçocas planavam perto do teto, esperando que o vento quente desse uma trégua. Tadeuzinho, à espreita, pensou se desejava ou não a mulher. Rosa fingia um sono pesado. Num delírio teatral - porque quem finge que dorme finge que sonha -, pensava num futuro não muito distante: Tadeuzinho, prestes a comê-la com afinco, seria mais tarde o corno vingativo e perseguidor que a vidente de Patos de Minas lhe alertara. E Rosa nada poderia fazer, dali a pouco o carma teria-se lançado. Despertou, dissimulada, pelo bafo quente e pelos cotovelos inconvenientes de Tadeuzinho sobre ela, sorrindo. Ela retribuiu o sorriso. Muitas muriçocas morreram de esperar.

08 outubro 2013

Palavras sobre É assim que você a perde, de Junot Díaz


Decepcionada. Não com o Junot Díaz nem com ninguém, mas comigo. Por que diabos eu fui acreditar que podia ser diferente e surpreendente? Não podia. Começando pelo fim, desfecho de É assim que você a perde é um clichêzão: o velho recurso da metalinguagem, o conteúdo do próprio livro sendo entregue ao autor no final. Faz tempo que já não vejo graça em "oh, então o livro que acabei de ler é o resultado da própria história". Que saco! 

Mas o que eu esperava? A micro resenha da Vogue - espero não ter que voltar a ela e descobrir que não era bem assim - me estendeu um produto de ponta, inovador e fabricado por um dominicano (quem conhece a literatura da República Dominicana levante a mão) cheio de prêmios e elogios. Arregalei os olhos, meu feeling disse que ali tinha coisa - e das boas. Me permiti mais que empolgação: dei pulinhos de alegria, era aquilo que eu estava precisando. 

Fresquíssimo, em agosto o livro sequer havia chegado fisicamente às grandes Fnac, Saraiva, Cultura - comprei online. Delicioso, histórias soltas de um mesmo personagem, Yunior (obviamente alterego de Díaz), um dominicano que vive desde criança nos Estados Unidos. São narrativas de amor, vacilos, cotidianos bem contadas, fluídas, engraçadas e reconfortantes (o mocinho é bem castigado quando não age como tal). Mas - que droga! - é só mais um livro contemporâneo, tal como os outros. Há tanto de dominicano nele quanto há de amazonense em Milton Hatoum ou de mineiro em Luiz Ruffato. Filetes, códigos, fotografias embaçadas. E o resto é a receita de crochê da contemporaneidade. 

Pra completar, Díaz não se furta ao papel de difundidor do estereótipo do homem latino: Yunior é machista, tosco/sensível, bom amante e racista. Um bom livro, sem dúvidas, mas tão bom quanto igual; tão bom quanto a minha inocência alcança.