31 agosto 2012

243/365
Nilmara

É enrolada. Pula de subemprego em subemprego. Tem dívidas em pelo menos duas sociedades de crédito, não sabe falar em público e é craque em pegar ônibus errado e perder horários marcados. Porém, sugere-se arriscar a invistir e confiar na articulada Nilmara torcedora do Náutico. A paulistana que se pernambucou há dezenove anos dá palestras, acerta datas, canta hinos, recita versos e tem de cor as alcunhas, os títulos, as escalações do seu alvirrubro, desde 1901.

30 agosto 2012

242/365
Rachel

Daí começou o segundo turno. É a nossa chance. Bora, Figueira. Já fiz promessa. Enquanto a gente não sair da zona, não como marreco. Bora, Figueira.

29 agosto 2012

241/365
Mara

E essa agora? Tenho que ter um time? Difícil escolher. Pelo pouco que acompanho, nem as grandes equipes têm andado muito bem das pernas. As pernas do Fred são bem bonitas e o Fluminense é uma boa promessa no Brasileirão. É pode ser que eu escolha o Fluminense, então. Mas vai que o Fred é vendido amanhã? Como é que eu vou ficar? Hmm. Anuncio, então: Divino Futebol Clube. Tem um monte de homem bonito. É mais garantido. Mas a novela vai acabar... droga. Ok, fica o Fluminense mesmo.

28 agosto 2012

240/365
Laís
 
Começou com o irmão a frequentar a embaixada são-paulina no Acre. Apaixonou-se pelo time e os marmanjos de Rio Branco se apaixonaram por ela. No próximo dia 31, concorre ao título de Musa da Torcida Independente, no Excalibur Night Club, às 23h. Tricolor esperta, tem queda por homens maduros: sonha com Rogério Ceni e Luís Fabiano constantemente. O irmão tem ciúme, protege, mas sente orgulho. Sua maior realização, se for sagrada musa da noite, será conhecer o Morumbi em São Paulo. Nunca viajou de avião.

27 agosto 2012

239/365
Ilma

Fui criada como menino, com os meninos. Brincando na rua, soltando pipa, fazendo carrinho de rolimã. Não sei fazer galinha caipira, pão de queijo, doce de tacho. Aprendi, a duras penas, a lavar minhas calcinhas e a desembaraçar meus cabelos - que minha mãe sempre preservou longos. Confesso que eventualmente me pego sentindo vontade de me maquiar, de pôr um salto nos pés, um vestido. Mas não consigo nem tentar. Meus dias são com jeans e tênis. Namorado de verdade nunca tive. Só me envolvi com uns cruzeirenses, como eu, amigos dos meus primos. Eles se interessaram por mim provavelmente porque, com eles, eu não implicaria pelo controle da TV para ver novela, não reclamaria de toalha molhada e nem de meias espalhadas. Nunca. 

26 agosto 2012

238/365
Grazielle

Nessas férias forçadas, sem dinheiro suficiente pra sair da cidade, só quero badalação - de preferência de graça. Se tive essa folga forçada, um sinal há de ser. Estou sentindo o cheiro do fim da solteirice. Mãe Isolina já tinha me anunciado. E hoje é dia de Brasileirão. Bahia na série A. No estádio, tanto homem meia boca. Mas alguns dão até um caldo. Será um desses? Venho bonita, no salto, com bandeirão servindo de saia.

25 agosto 2012

237/365
Ednanci

É discreta, elegante. Jeans só em casual day, e escuro, sem firulas. É executiva de agência internacional. Poucos são os eleitos que conhecem os cabelos longos e despojados: vivem presos, burocraticamente comportados. E menos ainda são os que sabem de sua paixão - parece até vida dupla: tem tatuado nas costas nada menos que um gavião de 22,5cm. E na altura da marquinha do biquíni (só toma sol em praias distantes), o escudo do timão. Os dois dentes centrais superiores são fruto de implante. Os originais foram cuspidos fora em brigas da Pavilhão 9. No escritório, acessa os resultados pela internet e, se for o caso, espia jogos. Mas não perde o foco. Diante de diretores e gerentes, exibe planilhas alvinegras e equilíbrio.
236/365
Camile

Sou bonita e promissora atriz de talento. Tenho longos cabelos, independência financeira, carro e não me importo em dividir contas. Meu trabalho demanda viagens constantes, mas sou boa em compensar ausências. Gosto de balada sertaneja, tomar café da manhã nas milhares de padarias de Porto Alegre e de cinema, teatro. Promissora atriz de talento. Agora o mais importante: meu coração é colorado. Se for gremista, por favor, nem escreva.

23 agosto 2012


235/365
Adriene

Nasci na Vila e lá em casa todo mundo é peixe. Pra ser santista não se escolhe. Sabemos os hinos de cor; os títulos, de salteado. Tem foto do Pelé na entrada da minha casa – que serve até de carranca. Ir à Vila em domingo de jogo é fato indiscutível: até a velórios já faltei. Meu alvinegro praiano é glorioso; é motivo de orgulho. Mas hoje é um daqueles dias em que dá vontade de nem sair de casa, de tanta vergonha. A foto do Pelé eu já virei pros porco-filho-da-puta não me zoarem. Aquela bosta daquele Neymar perdeu um pênalti. Sobra dinheiro e falta juízo na cabeça de piabinha – desonrar assim o meu Santos.

22 agosto 2012

234/365
Solange

Sempre fomos pobres. Ele não poderia me deixar mais do que uma paixão pra dar razão à minha vida. Morto há vinte anos, com sessenta, atropelado com a camisa do time do coração. Era verdureiro e atravessava a rua com o tabuleiro suportado pelo carrinho de mão, com alguns poucos restos do dia. Hoje, vivo de Ferroviário. Já recebi homenagens, inclusive em nome dele, torcedor ilustre. Faço quitutes para a diretoria do clube e para os rapazes que cuidam do site. Saudade do meu amor, da nossa vida sem dinheiro, sem filhos. Vivo das glórias passadas, antigas. Vivo coral.

21 agosto 2012

233/365
Florence

Essa tia Ivete é uma idiota. Minha mãe disse que ela é a melhor professora de piano do Brasil, que sabe olhar pras pessoas e dizer se têm talento ou não. Que bobona ela é: não conseguiu perceber que eu toco piano desde que nasci. Primeiro, aprendi a tocar. Depois, a falar, andar etc. Que hilário! Ela me olha como se eu fosse deficiente mental, chega a ser ridículo. Tudo o que ela tenta me ensinar eu já sei há séculos e, por isso mesmo, retribuo com um olhar autista. E a minha mãe pagando... pra quê? Só pra eu escrever em algum lugar que fiz aulas formais de música? Sem querer parecer presunçosa, ela é que devia pagar pra eu ensiná-la. Mulherzinha besta. Pra mim, basta.

20 agosto 2012

232/365
Ivete

A menina não aprende. As informações iniciais da mãe estavam equivocadas, certamente. E eu sei enxergar um talento quando estou diante de um. E, não, definitivamente, essa menina não tem vocação para a sofisticada arte de dedilhar o piano. Não tem desenvoltura, elegância e ouvido. Vou ter que me desfazer da aluna. Está tomando um horário precioso. A mãe paga bem e direitinho, mas a menina é empacada, lerda e ineficiente. Para mim, basta.

19 agosto 2012

231/365
Naitê

Bonito ver a noiva, tão plena. De branco, véu e rendas. Católica igreja de rosas brancas. Clichê que aqui se desesvazia: sólido que é. A noiva de que falo é completamente noiva. É, talvez, a pessoa mais bondoza do mundo inteiro. Pura como o branco supõe. E que erra, sim, mas está sempre em busca de ser compreensiva, paciente, tolerante, boa. Na ficção e na realidade, é ela: bela pura noiva plena.
230/365
Dayane

Receita para ser eu: faça uma base grossa de frustração, intercalada por algumas conquistas; a partir delas, um pouco de arrogância. Da camada de amor, firme mas de espessura mediana, deixe crescer algumas dores, amarguras e alegrias, nessa proporção. Acrescente uma camada rala de preguiça, gosto por cinema e açúcar e, para cobrir, use a raiva e os rancores, que vão dar o aspecto de crocância justamente por sua característica de superficialidade e transparência. Resista à tentação de acrescentar religiosidade. A mistura certamente vai desandar. Deixe cozinhar devagar, por 27 anos. E aproveite o resultado.

17 agosto 2012

229/365
Valesca

Sou feia. Tenho uma boca grande e disforme, que realço com batom vermelho. Bochechas caídas, sulcos acentuados. Meu cabelo é louro, pintado há meses, com raiz preta e escova progressiva. Uma franja dura cobre minha grande testa, mas não balança nem mesmo com tufões. Tenho seios grandes que parecem se misturar à também grande barriga. Pernas finas. Meço 1,50m. Uso invariavelmente legging, tamancos macios beges, uma blusa multicolorida e, nos dias mais frios, casaco de lã, que, com a bolsa e os seios me dão um visual ainda mais atarracado, compactado e risível.

16 agosto 2012

228/365
Vera

Em Volta Redonda, Vasco da Gama. Virou-se, verteu-se. Vazou: Verona, verão. Vinho. Valença, Viena, de volta Verona. Vício. Voo. Valparaíso. Voou. Vietnã. Valhai-me. Vera, vagabunda, vaca, vampira. Verdade: veneno, vingança. Vestiu-se. Vitória? Virtude? Viu. Vera voltou, virginiana: Vila Velha-ES.

15 agosto 2012

227/365
Zélia

Tem quase cinquenta. Não consegue respeitar seus colegas de trabalho. É professora. Novos ou antigos, eles formavam, para ela, um bando de reacionários ao contrário - ou disfarçados. A greve de todos os anos, para eles, havia se convertido nas férias merecidas e tão relegadas. A greve de todos os anos, para ela, era trabalho normal e contrariedade dos alunos. Não interessava, repetia o discurso: "estamos aqui, apesar da greve, para fazer a diferença. Quero contribuir com o futuro de vocês". E recebia, em resposta, interjeições desapontadas. Zélia, para os alunos, era uma heroína antiquada e, para esse fim, ineficiente. Gostavam dela, mas sentiam pena e não viam resultado prático. Zélia, para os colegas, era uma desertora safada. Não gostavam dela e não viam resultado prático.

14 agosto 2012

226/365
Gilda

Ensaiou cruzar os braços. Não cruzou. Catou a caneta, bateu na mesa, girou, bateu de novo. Enxugou um suor inexistente na testa, mexeu nos óculos coloridos. Era corriqueiro estar agitada, mas, naquele dia, estava especialmente ansiosa. Esperava Wilson Rondon, cliente potencial da agência e seu namoradinho de infância. Sabia que não era sensato deixar emoções interferirem. Entretanto, ali, pela primeira vez, se via sem controle.

13 agosto 2012

225/365
Martina

Resolveu cavucar o passado. Reservou o domingo para tirar a poeira de velhas caixas, reler antigas cartas, ver fotos amareladas. Sim, esse movimento lhe era especial e ela permitiu, falsa concessora que é, que lágrimas caíssem dos olhos ainda com poucas rugas para a idade. Manchas nas mãos ainda não havia, mas tinha a alma marcada, um passado com dias bons e anos ruins, doídos. Amados mortos, desilusões, caminhos profissionais não finalizados, tudo disfarçadamente refletido em roupas escuras e face amarrada, sem riso. Mesmo assim, cavucar coisas velhas lhe proporcionava o prazer que já não acessava pela cidade, com amigos ou supostas diversões.

12 agosto 2012

224/365
Ieda

E qual não será a surpresa de Ieda quando se souber, por vias terapêuticas, invejosa e mal humorada? Quando entender, diante de si mesma, que é a maior lançadora de olhares maldosos e péssimas energias aos seus interlocutores - aqueles que ela tanto diz que ama? Quando for capaz de enxergar que nem o seu passado justifica tanta sujeira?

11 agosto 2012

223/365
Margareth

Já não chovia há dias. As peles sem creme se esfarelavam. A família Alencar disputava as espreguiçadeiras a tapas. Mas Leopoldo e Margareth saíram da briga. Os filhos interpretavam como maturidade senil, mas os dois, oficialmente divorciados há uma década, sabiam bem que tipo de disputa lhes interessava. Os netos, fazendo guerra de mangueira, nem reparavam no fato dos avós se absterem de qualquer confusão. Quando a poeira baixava - e já podiam-se ouvir roncos e pensamentos -, se olhavam. Numa piscada respondida por um meio sorriso, levantavam-se discretamente rumo a um canto pouco visitado da casa. Longe dos olhares dos atuais cônjuges, dos filhos, netos, enteados, sobrinhos, cachorros, periquitos, trocavam beijos, juras, promessas. Enquanto não se revelarem, contra a própria vontade, permanecerão assim: a clandestinidade era mais um entre os muitos temperos.

10 agosto 2012

222/365
Débora

Ligou aos prantos para o namorado. Havia perdido a vaga no grupo de ginástica olímpica. O tórax largo, ainda de colant de treino, tremia e as lágrimas escorriam melando o rosto sem maquiagem. A boca abria e fechava num movimento que não permitia que se vissem os dentes, só a língua, e muita saliva espalhada. O namorado mal conseguia entendê-la. Duas faltas e não relevaram, não tiveram piedade. Ela não pôde argumentar, chorar, implorar. Não tinha atestado, justificativa da mãe a próprio punho, declaração da escola. Nada. Agora, nem vaga no esporte que ela sempre julgou que seria o seu futuro.

09 agosto 2012

221/365
Vilanir

Gostava de saias curtas e rodadas para todas as festas. Telefonava para um e outro e, em minutos, estavam todos no estabelecimento de dona Vilar, a mãe. Vilanir era bonita, negra, iluminada, cheirosa, com muito cabelo, pele brilhante, ressaltada pelas roupas claras, sempre claras. Cantava samba como ninguém e arriscava no tamborim. Torcia, com o seu rebolado natural, o pescoço de tudo que é homem. Entretanto lhe interessavam apenas as mulheres. E, para uma linda cantora de comunidade, feminina, preta e pobre, era inaceitável, inconcebível que não virasse uma - talvez famosa - artista local, boa mãe e esposa. Chorava todas as noites no colo de dona Vilar.
220/365
Antonieta

E a careta Antonieta, alheia às novidades do universo, ganhou na promoção da Band News FM Brasília um iPad 2. Meses lendo o manual, conheceu o Facebook, mas não se encantou. Está apaixonada, isso sim, por um app famoso. Ele resgatou a Antonieta artista, sensível. Não larga o dispositivo. Está pensando em se aposentar do Ministério com urgência.

07 agosto 2012

219/365
Graziela

Já disse que não, não insista. Nem que o Felipe José em pessoa me convide. Não subo em barco algum, sob cachaça alguma, pra participar de festa nenhuma, nesse lago Paranoá até me certificar que essa zica passou.

06 agosto 2012

218/365
Branca

Seu Neném é assim mesmo, casei sabendo. O que faz ele alegre são os rabos de saia . Galanteia, conversa com os amigos, se insinua. Nunca vi, sempre me contam. Ele respeita minha presença. Talvez pense que eu não sei dos pequenos casos e paqueras dele. E pensar que, no início, eu sofria tanto... Amadureci. Cada um com suas vontades. Até a empregada que meus filhos arrumaram ele já anda rondando. Não imagina que vi ele levantando da cama quando dava pra ouvir o chuveiro dela ligado. Deve ter ido espiá-la. Quando voltou, deitou e me abraçou. Dei palmadinhas na barriga dele. São nossos gestos de carinho.

05 agosto 2012

217/365
Lilá

É, eu sou passadeira, mas por que você quer me dar um espaço no jornal pra eu falar de passar roupa? Coisa mais sem graça, não tem nem o que dizer. Pensa comigo: chego nas casas, abro a tábua, esquento o ferro e passo uma pilha de roupa. Na hora de ir embora, recebo meu pagamento e vou. Simples assim. Agora, quer coisa boa e emocionante pra falar? Fala do meu curso de biscuit. Eu nem terminei e minha vida já mudou. Tenho jeito pra coisa. Faço tão direitinho, que estou vendendo bonequinhos pra outros artesãos. Mas a coisa que eu mais faço bem são os noivinhos pra bolo de casamento. Vem gente até de Boa Viagem encomendar. Vai, escreve sobre isso.

04 agosto 2012

216/365
Mariah

Virou a cabeça indagadora, grata surpresa. Sim, era a mãe, a sisuda dona Adelaide, que estava ali pulando empolgada, dobrando o papelzinho com a prenda para a noiva. Estavam no chá de lingerie de uma amiga da família e o momento era justo aquele para o qual Mariah havia se preparado: estrategicamente, para evitar as recorrentes críticas de dona Adelaide, ficaria quieta, observando o ambiente em vez de participar. Já não era a primeira vez em que se sentia obrigada a se conter. Mas dona Adelaide tomou a frente, coordenou o grupo de amigas, sugeriu brincadeiras, pulou, soltou gritinhos de alegria. Sim, a mãe era uma mulher divertida. Uma menina, como ela. Agradável, engraçada. Mariah arregalou os olhos, admirou-se da descoberta. E, diante da cena tão aconchegante (não existe palavra mais adequada), preferiu permanecer observando o ambiente em vez de participar. Sorriu contemplativa e satisfeita.

215/365
Sonia

Encontrei uma escola de gastronomia aqui em Niterói. Nada mais me interessa: só peixe. Quero cozinhar peixe, quero ter um restaurante, quero ser a melhor peixeira de Lima. O nome do meu estabelecimento: Peixe do Brasil. Assim, em português, simples e lindo. Volto para o Peru em dois meses, cheia de conhecimentos e sonhos. Sim, tudo irá mudar e o meu mundo será perfeito. Só falta o Gustavo, meu (ex?) noivo peruano, me aceitar de volta. Foi ele quem me empurrou pra dentro do avião, me mandou de volta para a minha vida brasileira, mesmo eu querendo tanto ficar. Mas a ideia do restaurante irá cativá-lo, estou certa.

02 agosto 2012

214/365
Helena

Ainda de pijamas e pantufas, estabeleço o meu desejo de aniversário: dormir até ser amanhã.

01 agosto 2012

213/365
Zaida

Não entende letra de música brasileira. Não gosta de encostar em outras pessoas, nem mesmo na feira. É gorda, mas se vê vistosa e elegante. Gosta de estar com outras mulheres de sua origem, conversar, aconselhar. Tem medo dos homens e, apesar de bem instruída e inteligente, detesta discutir assuntos que classifica como masculinos. Seu maior luxo é acordar tarde. E, de fato, desde criança permanece na cama até ouvir - longe, longe - seu nome gritado.