Conspiração
Então era isso? A má fama das
previsões meteorológicas só existe porque damos mais atenção a erros do que
acertos? Grande bosta. Pra que esse anúncio todo com tom de mistério na aula
passada? Eu sou ingênua demais ou o quê? É por essas e outras que não dou
confiança pra professor. Fiquei esperando uma grande teoria conspiratória, de
elites científicas, intelectuais e econômicas tramando a frequência e o
conteúdo dos anúncios de clima, que se acessa todo dia por jornais e TV. Nada.
Ainda indignada pela aula pouco
proveitosa, desci do ônibus e vi que a Jô estava desocupada.
- faz meu pé, Jô?
- hein?
Apontei pro pé ressecado e mal
cuidado.
- faço, bora.
- mas só posso pagar amanhã.
- hein? Amanhã? Tá.
Com os pés na água fria, a cabeça
virada pra trás, perguntei à Jô o que ela achava da meteorologia. Meio surda e
com o agravante do barulho do salão, Jô me deu um sorriso de resposta. Só.
Comecei a cochilar.
- Sonhei com tatu.
- Pois eu sonhei com o Iramar.
Alguém passava uma faca na barriga dele, assim, ó. Ele...
- Um monte de carne de tatu numa
bacia, ó.
- ... ele tava me protegendo não
sei de quê. Só sei que a gente corria...
- E eu sonhei foi com porco.
Entrava lá em casa e corria pra debaixo da cama.
- ...não tinha nem sangue nem
nada.
- Vê aí o que deu no bicho,
Neide.
- ...vou até ligar pro Iramar,
coitado.
- Porra, deu cavalo na cabeça e
eu tinha sonhado com cavalo.
- E galinha?
- Galinha saiu no terceiro
prêmio... Nada de tatu, Tônia.
- Vou é fazer o milhar.
- Como é milhar?
- Ei, Jô, Mari, Lúcia, quantas
vezes eu já expliquei o milhar pra Neide?
Risos.
- ... o Iramar não atende. Tô é preocupada.
- E porco, deu?
- Deve ter jogo acabando agora. Vê
aí, meu 3G acabou.
- Hoje já não foi?
- São cinco por dia.
- Neide, ó o Iramar ali, no rumo
de casa.
- Iramar! Iramar!
- Cinco?
Jô acabou de cutucar. Pintou de
rosa claro sem eu dizer. Achou que eu tava dormindo.
- Obrigada, viu? Amanhã eu passo
pra pagar.
- Oi? Tá certo. Cuidado aí,
mulher, com a unha. Tem poça.
Poça? Choveu na meia hora que eu
deitei o pescoço na cadeira, pra ouvir sonolenta uma aula inteira de jogo do
bicho. Aula que enfim valeu a pena. Chuva rala, pelo visto, com barulho abafado
pelo bafafá do salão. E o que diz a meteorologia sobre umidade em Brasília em
julho? Seca. Conferi no celular: 32% de umidade. Sorri pra elite que me
observava por alguma câmera secretamente posicionada. E pisquei, cúmplice, por
participar, a contragosto, da conspiração que eu já desmascarara há anos.