05 julho 2009

Fabinho

FEV/2006

E quem disse que criança não sofre de rejeição amorosa? Se isso vira trauma, mancha no passado ou cria motivo pra regressão, já é outra história. Mas que eu faltei morrer quando, com seis ou sete anos, fui enxotada pelo Fabinho, ah, faltei.

Uma fila de meninos de um lado e uma de meninas de outro. A Patrícia já me avisou antes: vou dizer que quero o Leonardo e pronto. Eu duvidei, encolhida, acanhada, barriga gelada de vergonha. Pois ela anunciou e deve ter sido aplaudida silenciosamente: tia, só danço se for com o Leonardo. Ele ficou meio constrangido, mas gostou da idéia. E a tia, aliviada: ótimo, já temos o primeiro par.

Uma coragem que eu nunca tive veio vindo, veio vindo e eu falei, sem pensar muito: e eu só danço se for com o Fabinho. Riram, gargalharam. Olhei pra ele, vermelho. A pobre da tia, rindo também, perplexa, disse: está bem, mais um par. Ei, tia, eu não quero. Era o bolha do Fabinho choramingando. Levei as mãos ao rosto. Eu não sabia onde me esconder. Ou não saberia, se isso fosse verdade. O fato é que o Fabinho, viadinho, não disse nada. Só ficou vermelho. Deve ter querido dizer, mas eu quase lhe dei uma chave de coxa. Coragem que eu nunca vi, credo. E nem tinha feito a primeira comunhão ainda.

Vi, vim e venci. Dancei com o molenga do Fabinho. No ano anterior, a tia tinha escolhido os pares e eu caí justo com ele. O par perfeito, o menino e a menina mais tímidos e miudinhos da classe. Dançamos sei lá o quê, talvez uma jovem guarda, com um laço cor-de-rosa a enfeitar. O puto do Fabinho nem pra conversar. Todos os ensaios e o baile e eu nem ouvi o timbre da voz do retardado. Em nenhum dos anos. Nem na classe ele lia. Eu, de minha parte, morria de vergonha, mas lia: macha, guerreira. E até cutucava o Fabinho pra ler também. Ele, sonso, nem miava.

Uma vez foi o Zé Alcir que eu salvei. Tinha um menino ameaçando ele. Pois eu montei no menino e disse deixe meu amigo em paz! Não vi nada até abrir os olhos e sentir o cheiro da lama. Caí numa poça. Nem sei como fui arremessada, mas estava longe da cena. Meu pai brigou comigo: parece menino.

E a porra do Fabinho foi só o primeiro. Rejeição sim senhor. E há rejeição maior do que não dirigir palavra à sua dama por dois anos seguidos? E mesmo tendo sido escolhido? Um bolha completo. Só o primeiro de tantos. Só o primeiro que eu quis bater. E foi no baile que eu aproveitei. Depois da dança, dei-lhe um pisão inesquecível. E um soco mortal no estômago. E pedi que morresse. O trouxa soluçou e fez biquinho, como se fosse chorar. Eu fiquei com medo de apanhar da mãe dele e do meu pai. Pedi desculpas. Disse que foi sem querer. Coloquei meu braço no ombro dele e perguntei se ele ainda era meu amigo. O idiota fez que sim. Antes tivesse sido com emoção assim. Tudo mentira. A verdade mesmo é que, quando a música acabou, a bonequinha virou as costas e foi descer do palco, antes de todo mundo – e imagine que, por sermos pequenos, éramos o casal da frente. Fiquei com cara de tacho, sozinha. Meu pai filmou tudo. Baixei a cabeça, arrasada. Lamentei.

2 comentários:

Lorena disse...

Super intimista. Gostei demais.

Alfredo Rangel disse...

Me diz, cá entre nós, em que homem vc vingou este porra deste Fabinho?
Excelente relato...Muito interessante.
Parabéns.