Seu Manoel
Já sentado, virei para encarar o tronco da árvore, de lado
pra pista, e escolhi falar baixinho para não chamar atenção. Não me importo se
me olham ou se incomodo os outros com minhas conversas. Não suporto é que me
incomodem: "ei, doidinho", "olha ali o louco falando sozinho".
Ou, de quem pensa que me conhece: "ó lá o seu Manoel de novo". Interrompem
meus raciocínios. Cada um tem sua vida, seus assuntos. Se saio de casa é pra
evitar que meus filhos me abordem. Antes mesmo do café, visto as calças, o
jaquetão e desço a praça da 36, depois a rua, depois a outra rua. Lá estão meu
banco, minha árvore e meus assuntos. Vida/morte, espiritualidade, receitas de
milho, mecânica de automóveis, aeronáutica, futebol, vôlei, basquete, Brasília
de 1960, botox, cisternas, rock, egoísmo, dor de estômago. Tudo é tratado,
apresentado e esmiuçado. Passou um rapaz correndo de camisa laranja, que achei
horrorosa. Mas hoje eu dizia sobre tecnologia, avanço da medicina, próteses
ortopédicas. Um moço com perna postiça será que corre assim? E é assim que
acontece e é assim que é o mundo.