26 outubro 2006

Nota de falecimento

Com pesar comunico - e lamento - o falecimento da revista Literatura, editada pelo escritor Nilto Maciel. No auge de sua adolescência, com 15 anos, morre de morte matada o resultado do comprometimento, da força de vontade e do amor pela literatura. Lamento, sem lamentar acriticamente as já lamentadas faltas de incentivo à leitura etc. etc. etc. Sem punhetas (e nada contra as punhetas não-pseudo-intelectuais). Lamento que um trabalho tão bacana, feito com escritores não badalados, e que reúne(iu) coisas interessantes, textos divertidos, experimentais etc., tenha se acabado.

Em breve, receberei alguns exemplares do n° 32, o último número, com um conto meu. Vou ter comigo o histórico último volume. Lamento. Lamento. Lamento. Mas devo confessar que ainda há alguma esperança em mim. Ressuscitará a falecida? Não sei. Será que não poderíamos pelo menos reencarná-la num outro canal (eletrônico)? Será que Nilto já não está fazendo isso nos seus sites? Vale dar uma olhada aqui, aqui e aqui.

Abaixo, veja o comunicado dele sobre o último número da revista e algumas notas de solidariedade.

ÚLTIMO NÚMERO DA REVISTA LITERATURA

Quando decidi voltar de vez ao Ceará, depois de 25 anos em Brasília, onde fundei a revista Literatura, em 1991, decidi também dar por concluído o meu tempo de editor. Entretanto, por insistência de alguns colaboradores, mudei de idéia. O mal, porém, não desapareceu com a mudança de idéia. Falo do mal que tomava conta de mim e me fazia cada vez mais enfastiado. O mal das vaidades, das incompreensões, das maledicências, da falta de apoio. Não de todos nem de muitos.
Desde o primeiro número a revista se editava às custas de alguns amigos. Tentei o sistema de assinaturas. Surgiram cerca de trinta interessados. Ora, o custo final da revista chegava a cerca de três mil reais. Precisaria, portanto, de trezentos assinantes, no mínimo. Nunca busquei patrocínio empresarial, porque nenhum empresário terá interesse em uma publicação de quinhentos a mil exemplares. E concluí: só resta o caminho do associativismo, do cooperativismo. Cada colaborador adquiriria dez a vinte exemplares. Alguns – sobretudo os colaboradores de primeira hora, como A. Isaías Ramires (até o nº 15), Anderson Braga Horta, Aracyldo Marques (falecido logo depois do nº 4), Batista de Lima, Carlos AA. de Sá (até o nº 9), Cleonice Rainho (até o nº 21), Dimas Macedo, Emanuel Medeiros Vieira, Eneás Athanázio, Francisco Carvalho, Francisco Miguel de Moura, Joanyr de Oliveira (até o nº 22), João Carlos Taveira, Jorge Pieiro, Leontino Filho, Sérgio Campos (falecido em 1994) e Uilcon Pereira (falecido em 1996) – alguns aceitaram de pronto o projeto. Mais tarde, juntaram-se ao grupo outros colaboradores, como Alice Spíndola, Ary Albuquerque, Aricy Curvello, Astrid Cabral, Caio Porfírio Carneiro, Clauder Arcanjo, Dilermando Rocha, Glauco Mattoso, Hamilton Monteiro, Henriques do Cerro Azul, Hiirís Lassorian, Jorge Tufic, José Hélder de Souza (falecido há pouco tempo), José Peixoto Júnior (até o nº 23), Nelson Hoffmann, Olney Borges Pinto de Souza, Paulo Nunes Batista, Romeu Jobim, Ronaldo Cagiano, Salomão Sousa e Soares Feitosa.
Os principais colaboradores de cada edição garantiam a quitação das despesas com a gráfica e recebiam vinte exemplares. Os demais (a maioria) recebiam um exemplar e nada pagavam.
Aos que nos procuravam eu explicava como a revista sobrevivia. Algumas respostas chegaram a me causar nojo, como aquela em que o “colaborador” me dizia: “Com trinta reais jantarei uma bela pizza com minha família”. Referia-se a três exemplares apenas.
Recentemente uma candidata a colaboradora me escreveu uma mensagem e me solicitou o envio do boneco da revista. Se tudo estivesse bem (a revisão do texto, a nota biográfica dela, etc), autorizaria a publicação do seu conto. Depois, que eu lhe enviasse um exemplar. E ponto final.
A gota d’água veio com a seguinte mensagem, de um colaborador mais ou menos antigo: “assim que tiver um exemplar disponível, por favor, me mande um urgentíssimo. Quero ver como ficou. Depois, conversamos, faço pedido. Se sair a contento, é claro”. E prosseguia: “conto com três coisas: a) Uma revista que me deixe bem; b) Um preço razoável; e c) um pouco de compreensão na maneira de fazer o pagamento”. Ora, de tudo ele já sabia: do preço do exemplar, da cota que lhe cabia, etc.
Cansado de tantos aborrecimentos, dou por concluída minha missão de divulgador literário ou editor de revista. Literatura chegou ao seu último número, o 32º. Como poucas no Brasil.
Fortaleza, 21 de outubro de 2006.
***
24/10/2006
Nilto querido, li a carta em anexo e fiquei muito triste. Fiquei chocada com a insensibilidade das pessoas. Se tivesses me dito, eu também poderia ter tentado ajudar. Não gosto tanto assim de pizza (se ainda se podem fazer piadas nesse momento). A virtualidade parece ser a alternativa para literatura no Brasil, que se faz cada vez mais de blogs e de revistas eletrônicas. Triste caminho. Os fetichistas, que gostam de algo palpável em forma de livro, são cada vez mais caros e parecem cada vez menos dispostos a pagar pelo objeto de desejo. Um abraço muito carinhoso, Ana Carolina da Costa e Fonseca (Berlim, Alemanha)


Caro Nilto,
Li o anexo do seu site sobre o fim da revista Literatura. A princípio, chocou-me a inesperada atitude tomada pelo amigo. Mas, depois, ao avaliar bem suas condições de editor, acabei te dando razão: não vale a pena continuar esse trabalho quixotesco num país em que tudo se pauta pelo valor da moeda. Creio que você, ao levar a revista ao número 32, foi um verdadeiro herói. Poucas publicações tiveram tantas edições ininterruptas quanto Literatura – Revista do Escritor Brasileiro. De todo jeito, meus parabéns pelo trabalho diligente feito ao longo de tantos anos. Estou com você. Conte comigo para o que der e vier.
João Carlos Taveira (Brasília)

25/10/2006
Caro Nilto: Gostei do desabafo. Por tudo que li, era mesmo insustentável que você ficasse fazendo essa revista, com tanta gente ingrata e má pagadora... O grande problema está aí, na leviandade das pessoas, mesmo das que supostamente deveriam ser mais interessadas. E gente bem-intencionada por vezes não tem um puto no bolso e não pode ajudar mesmo. Mas, o sujeito que prefere as pizzas é um autêntico personagem de nosso tempo, um pulha tranqüilo, um monstro impenitente, cuja desfaçatez é bem reveladora da época em que vivemos... Ele talvez represente, como um extremo grotesco de franqueza canalha, o que muitos outros pensam, mas não dizem... Outro dia, conversando com a Rosângela sobre o mundo literário, quando ela se queixou da pouca solidariedade das pessoas, algumas famosas, e das evasivas que essas dão quando expomos o problema de estarmos em busca de editoras, eu disse a ela que é assim mesmo... Acabei dizendo uma coisa que me parece quase invariável: eles, os que têm editoras e o mais, se portam como acomodados que, do convés de um navio, olham pra gente, que está em alto mar se afogando, e nos advertem para uma onda perigosa, para um tubarão, par isto ou aquilo, mas jamais, em nenhuma hipótese, em momento algum, nos atiram uma corda... Que fazer? O egoísmo humano está em tudo, mesmo nas profissões que gostam de parecer "nobres". E nestas a hipocrisia é ainda maior...(...) De qualquer modo, ainda voltando a teu desabafo, quero dizer que fico feliz de te ver livre do peso dessa publicação. Dê-se mais tempo pra simplesmente escrever teus contos, pra viver mais pra você mesmo. O grande problema é que ser muito corporativista e amigo, hoje em dia, não está valendo nada. As pessoas simplesmente são sórdidas e tendem a se aproveitar sem maiores escrúpulos. E o santo acaba sendo um otário que joga a sua própria vida fora em troca dos que engordam com suas gentilezas sem reciprocidade nenhuma... Tal é a decadência em que vivemos, debaixo desse capitalismo completa e irremediavelmente torpe.
Abraços. Chico Lopes (Poços de Caldas, MG)

Prezado NILTO, Li e lamento profundamente sua nostálgica despedida desse trabalho altruísta, abnegado e quixotesco. Quem perde é a Literatura brasileira. Depois de tantas incompreensões, motivadas pela vaidade, narcisismo e empáfia de alguns de nossos colegas de ofício, não dá para continuar a ser muro de pancada. Todos somos testemunhas de seu empenho nesses anos todos, tirando dinheiro do próprio bolso para cobrir as despesas de edição, correios, telefonemas etc. E ainda ter que agüentar desaforo. Lamentável também a inércia, indiferença e pouco-caso dos órgãos públicos. Apesar da Lei Rouanet e das leis de incentivo, preferem direcionar subsídios para projetos de mega exposição a dar uma minguada quantia a uma edição de 500 ou 1000 exemplares, que para eles, é pouca vitrine.Que pena!!!! Mas o seu trabalho ficou na história.Ronaldo Cagiano (Brasília)

Caro Nilto, lamento imensamente que a Revista não saia mais. Por outro lado, compreendo o seu ponto de vista. É de fato uma luta desigual... Assim, ao mesmo tempo que lamento a parada, cumprimento o amigo por ter tido ânimo para pôr na rua 32 números, ao longo de tantos anos. A Revista fez história, e isso conta. Grande abraço. Anderson Braga Horta (Brasília)

Seria uma perda lastimável a interrupção da revista. Principalmente em um momento onde há poucos canais sérios e legítimos para a divulgação da literatura. Li o anexo e, com toda razão, os custos não são baixos. Para aquelas pessoas que não compreendem o esforço empreendido, não apenas na confecção, mas na seleção dos textos, na elaboração, não compreendem o valor intrínseco que subjaz em cada número. Uma revista que chega ao número 32, principalmente nesse país, onde a escrita e a leitura ainda é para poucos, deveria estar sendo abraçada com carinho e protegida. Penso que existam outros meios de mantê-la em circulação. Talvez tornando-a semestral, ou até mesmo anual. Diminuir a tiragem, aumentar o preço de capa. Solicitar uma maior colaboração. Ora, o fim da revista seria uma perda lastimável. Foi através de você e da revista que pela primeira vez consegui publicar meus escritos e atingir lugares e pessoas que nem sonhava. Se você perde colaboradores antigos, ganha novos. Estou profundamente abalado. Friso novamente, a revista Literatura está fazendo a história da Literatura brasileira. Se depender de mim, aumente a minha cota, por favor, por aqui eu me viro. Cláudio Eugenio Luz (Santo André, SP)

Companheiro Nilto, foi com lágrimas nos olhos que concluí a leitura da sua decisão. Agora bato no peito e digo: a revista vai continuar. Vamos nos reunir, quem você quiser, e vamos discutir alternativas. Eu tenho idéias. Batista de Lima (Fortaleza, CE)

Prezado Nilto, lamentavelmente não poderei adquirir os números, não por negligência ou falta de interesse. Há pouco mais de um mês sofri um pequeno acidente aí em Fortaleza, o que me deixou desfalcado em quase todos os sentidos (principalmente física e financeiramente). Que pena a revista chegar ao fim. Infelizmente me sinto culpado (ainda que involuntariamente) pelo insucesso da revista. Abraço, Társio Pinheiro

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