26 dezembro 2012

360/365
Zenaide

Enrolada em si, encolhida e suada, entre a caixa d'água e o muro, via a sombra do monstro, que se arrastava devagar. Se não cria em deus, pediria a quem para tirar por milagre de seu corpo qualquer odor que atraísse o bicho? Mas pedia, pedia, pedia - e com fé. Se fosse fã de thrillers, poderia até imaginar uma música terrível de suspense ao fundo. Mas o silêncio só era quebrado por um pagode longe, longe, talvez na rua da baixada. O monstro movia a cabeça lentamente à sua procura e dava passos pesados que davam a ela a localização exata dele. Zenaide tremia. Da boca pingava sangue de toda a família dela, que ele tinha acabado de matar. Faltava uma.

359/365
Ellen

Arrependeu-se de ter tido vontade de resgatar o passado e ir à cidade dos pais. Quando chegou com o menino, já adulto, todos diziam: "nem parece neto do Juvenal. Parece filho". E aquilo fazia eco, como que para torturá-la. Grávida do próprio pai, fora expulsa de casa por ele e pela mãe: "virou vagabunda, foi? Tá dando pra qualquer um na rua?". Na rua? Queria ter respondido à mãe que não engravidara na rua, que havia sido o próprio pai que a estuprara. Até o retorno à cidade, ninguém tinha tido notícias suas ou do menino, que ela criou com muito cuidado. E ele, irmão/filho, cuidava dela também e, como se intuísse desgraça, nunca ousara perguntar pelo pai.

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