90/365
Karla
Era uma da manhã e acordei sobressaltada, ainda no voo interminável. Desta vez, vi um pôr do sol surreal, laranja, mas não tão iluminador. E focos de fogo espalhados pela terra. Não era fogo - mas luzes de propriedades rurais próximas umas das outras (feudos hoje em dia?), depois percebi. Não era sol. Talvez uma lua cheia ou um disco voador. O avião parou no ar. Planava. Voltei a dormir.
31 março 2012
30 março 2012
89/365
Dona Neide
29 março 2012
88/365
Talita
28 março 2012
87/365
Eulália
Com um quase nada de forças, chega em casa. O trabalho de limpeza continua. Junta restos pela cozinha, afasta a poeira, lava talheres, dá descarga. Moída, porque o culto hoje foi difícil. Ex-viciados, ex-traficantes, ex-baitolas pra ela descarregar, salvar, levar à luz, oferecer o reino dos céus. Rouca de tanto gritar aleluias e cantar com devoção. Depois do banho, agradece por ser viúva e pelos filhos já serem adultos. Estar só como gostaria de estar. Cobre-se com um cobertor xadrez, toma um copo d'água e fecha os olhos. Minutos depois, a lembrança. Mas deixa pra amanhã a oração. Jesus há de perdoar esta falta.
Eulália
Com um quase nada de forças, chega em casa. O trabalho de limpeza continua. Junta restos pela cozinha, afasta a poeira, lava talheres, dá descarga. Moída, porque o culto hoje foi difícil. Ex-viciados, ex-traficantes, ex-baitolas pra ela descarregar, salvar, levar à luz, oferecer o reino dos céus. Rouca de tanto gritar aleluias e cantar com devoção. Depois do banho, agradece por ser viúva e pelos filhos já serem adultos. Estar só como gostaria de estar. Cobre-se com um cobertor xadrez, toma um copo d'água e fecha os olhos. Minutos depois, a lembrança. Mas deixa pra amanhã a oração. Jesus há de perdoar esta falta.
27 março 2012
86/365
Taís
26 março 2012
85/365
Adélia
25 março 2012
24 março 2012
83/365
Eliete
E em Maranguape não se falou em outra coisa. Só assim, com a morte do maior humorista do mundo, Eliete pôde passar despercebida. Juntou em sua valise seus vestidos, lenços, o único sutiã e outras pequenas peças. O esmalte, algodão e acetona. Pegou o primeiro ônibus para qualquer lugar. Deixou seus gêmeos de doze anos dormindo, o aluguel atrasado, dívidas nas bodegas e na farmácia. Mal soube do humorista, de quem chegou a sentir orgulho por ter projetado nacionalmente o nome de sua cidade natal. Mal teve tempo de lamentar qualquer coisa; o coração na boca. Coragem até nos cabelos.
Eliete
E em Maranguape não se falou em outra coisa. Só assim, com a morte do maior humorista do mundo, Eliete pôde passar despercebida. Juntou em sua valise seus vestidos, lenços, o único sutiã e outras pequenas peças. O esmalte, algodão e acetona. Pegou o primeiro ônibus para qualquer lugar. Deixou seus gêmeos de doze anos dormindo, o aluguel atrasado, dívidas nas bodegas e na farmácia. Mal soube do humorista, de quem chegou a sentir orgulho por ter projetado nacionalmente o nome de sua cidade natal. Mal teve tempo de lamentar qualquer coisa; o coração na boca. Coragem até nos cabelos.
23 março 2012
82/365
Madalena
Naquele dia acordei inquieta, lavei as vasilhas e arrastei a estante. Algo estava pra acontecer. Apertei meus seios, como se abraçasse eu mesma, andando dum lado pra outro. Uma angústia aqui, ave. Telefonei pros meus filhos e pra minha irmã; todos bem. Voltei pra lida, porque podia ser simplesmente um objeto na minha casa impedindo o fluxo e eu sentindo isso tudo. Mexi, revirei, reorganizei e a notícia chegou, como sempre chega. Era o Eraldo, pai dos meus filhos e amor da minha vida. Já não estávamos juntos há tantos anos, mas parece que o coração não raciocina. E foi a piranha que veio me contar: olha, Madá, o Eraldo morreu, mulher. E eu me esforcei pra não parecer incomodada e não tinha jeito e não teve jeito: ela viu o desespero saindo pela minha garganta, o choro caindo em litros. Peguei em tudo que é vassoura e rodo, tentando voltar ao trabalho e eliminar esse sofrimento. A dor não passou.
81/365
Zaynah
Não quero meu corpo à mostra, não vendo minha imagem a revistas ou simplesmente ofereço aos olhares cobiçadores dos homens. Sem lenço não saio. Não interessa onde estamos. Assim, minha mãe me ensinou, como a mãe dela a ensinou e a mãe de sua mãe. O véu não tem a ver com os costumes de um país ou povo, mas com proteção, devoção, compromisso, amor. Já passamos por Paris, Cuba, Buenos Aires e, agora, Brasília. Em cada um desses lugares, o olhar ocidental se repetiu. Isso não tem importância, pois, também na nossa crença, não precisamos nos misturar com outras pessoas. Basta conhecer e respeitar. Meu hijab é protetor e vai cobrir a minha filha e a filha de minha filha e assim por diante. Sem que nenhuma de nós tenha que se confundir com bobagens como a exibição provocadora.
21 março 2012
80/365
Daniela
Certa vez, ainda na cama, Rogério me disse que o que lhe atraía em mim era a juventude. Retruquei, incrédula e ofendida, que aquilo parecia coisa de garotão, de menino sem nada na cabeça. O que lhe interessava, afinal, uma beleza desenrugada? Ele me esclareceu: eu era livre de rancores e mágoas. Era dessa juventude, dessa inocência de sentimentos, que ele falava. Sorri, me envaideci. Agora, todavia, pouco mais de cinco anos passados, vejo como envelheci. Talvez por isso Rogério não tenha apostado em mim; cansou, desistiu, ou simplesmente não quis apostar contra o líquido e certo: eis-me aqui, bonita, robusta, saudável e tal e qual mal humorada e amarga. Se tanto, salgada pelo tempo, seca e indigesta.
Daniela
Certa vez, ainda na cama, Rogério me disse que o que lhe atraía em mim era a juventude. Retruquei, incrédula e ofendida, que aquilo parecia coisa de garotão, de menino sem nada na cabeça. O que lhe interessava, afinal, uma beleza desenrugada? Ele me esclareceu: eu era livre de rancores e mágoas. Era dessa juventude, dessa inocência de sentimentos, que ele falava. Sorri, me envaideci. Agora, todavia, pouco mais de cinco anos passados, vejo como envelheci. Talvez por isso Rogério não tenha apostado em mim; cansou, desistiu, ou simplesmente não quis apostar contra o líquido e certo: eis-me aqui, bonita, robusta, saudável e tal e qual mal humorada e amarga. Se tanto, salgada pelo tempo, seca e indigesta.
20 março 2012
79/365
Vivian
19 março 2012
78/365
François
18 março 2012
77/365
Bárbara
Criou mais personagens de alcova. Difícil falar de cotidianos que não estejam cercados por paredes; soa tedioso e até falso. Real, verossímil é falar de grandes melancolias ou de brigas íntimas. Assim criou Rose e William, que não conseguiam se enteder. Ao menos cuidou para inverter papéis, a fim de dar graça à narrativa. Contou a história de um William doce, sensível e uma Rose bruta. Ele falava, falava, falava e ela não compreendia - apenas enxergava uma boca se mexendo. Ela, por sua vez, maquinava automaticamente o modo de sair da discussão inteira e superior. Magova. O bate boca se findava e William permanecia na cama, inerte e incrédulo. Chegava a rezar: "deus, eu não consigo mais, me dê forças!" E ela saia do quarto resmungando, com uma voz mais grossa que o seu timbre costumeiro. Mas voltava, sempre voltava, para o golpe final: "a sua sorte, William, é que eu não fui treinada pra bater. Porque a minha vontade agora era te encher de porrada, seu merda". Eram personagens iguais a qualquer coisa, porque, afinal, a esta altura, já se escreveu sobre tudo. Que fazer? Profissão ingrata - Rose e William eram fórmula. E venderiam bem, tal como Cauby e Lavínia, Charles e Emma, Santomé e Avellaneda, Camille e Auguste.
Bárbara
Criou mais personagens de alcova. Difícil falar de cotidianos que não estejam cercados por paredes; soa tedioso e até falso. Real, verossímil é falar de grandes melancolias ou de brigas íntimas. Assim criou Rose e William, que não conseguiam se enteder. Ao menos cuidou para inverter papéis, a fim de dar graça à narrativa. Contou a história de um William doce, sensível e uma Rose bruta. Ele falava, falava, falava e ela não compreendia - apenas enxergava uma boca se mexendo. Ela, por sua vez, maquinava automaticamente o modo de sair da discussão inteira e superior. Magova. O bate boca se findava e William permanecia na cama, inerte e incrédulo. Chegava a rezar: "deus, eu não consigo mais, me dê forças!" E ela saia do quarto resmungando, com uma voz mais grossa que o seu timbre costumeiro. Mas voltava, sempre voltava, para o golpe final: "a sua sorte, William, é que eu não fui treinada pra bater. Porque a minha vontade agora era te encher de porrada, seu merda". Eram personagens iguais a qualquer coisa, porque, afinal, a esta altura, já se escreveu sobre tudo. Que fazer? Profissão ingrata - Rose e William eram fórmula. E venderiam bem, tal como Cauby e Lavínia, Charles e Emma, Santomé e Avellaneda, Camille e Auguste.
17 março 2012
76/365
Wilma
No meu quarto, há dias, a leitura de cabeceira é o Guia Quatro Rodas. Traço percursos, calculo distâncias, contabilizo despesas. Já não é janeiro. Nem fevereiro mais é. Gosto do contra fluxo. Isso me excita, me motiva. Arrumei o meu jipe, minha mochila. Biquini, toalha, roupas leves. Barraca, cantil, caixa de isopor. Repelente, bota, calça com bolsos. No cabelo, trança. ou rabo de cavalo Bloqueador solar. Olhos pintados. Todo mundo trabalhando, retomando a rotina pós verão. Saio agora mesmo de Brasília e só paro em São Luís, dia 2 de abril, talvez.
Wilma
No meu quarto, há dias, a leitura de cabeceira é o Guia Quatro Rodas. Traço percursos, calculo distâncias, contabilizo despesas. Já não é janeiro. Nem fevereiro mais é. Gosto do contra fluxo. Isso me excita, me motiva. Arrumei o meu jipe, minha mochila. Biquini, toalha, roupas leves. Barraca, cantil, caixa de isopor. Repelente, bota, calça com bolsos. No cabelo, trança. ou rabo de cavalo Bloqueador solar. Olhos pintados. Todo mundo trabalhando, retomando a rotina pós verão. Saio agora mesmo de Brasília e só paro em São Luís, dia 2 de abril, talvez.
16 março 2012
75/365
Paola
Meu sono é tipicamente depressivo. Se me chateio, se me magoo, logo sinto sono. Pra não chorar, durmo. Para não encarar o mundo, não me relacionar com pessoas que possam me magoar, para evitar fazer algo errado e que me cobrem por isso, durmo. Não tem café, coca cola, guaraná em pó, cocaína que me mantenha acesa. É um sono infeliz, sem sonho. Durmo para não discutir com o Bruno, para não ter que cuidar da Ana Carolina e do Gustavo, para não ouvir a d. Mirtes, para não ir trabalhar. Adoeço, durmo. Desperto cansada, bebo água, ligo o rádio, desligo, faço xixi e volto para a cama. Dias, dias, dias... Não tenho ânimo pra pedir ajuda. Bruno não me ajuda. Choro. Não me mantenho alerta para rezar. Desisto. Durmo.
Paola
Meu sono é tipicamente depressivo. Se me chateio, se me magoo, logo sinto sono. Pra não chorar, durmo. Para não encarar o mundo, não me relacionar com pessoas que possam me magoar, para evitar fazer algo errado e que me cobrem por isso, durmo. Não tem café, coca cola, guaraná em pó, cocaína que me mantenha acesa. É um sono infeliz, sem sonho. Durmo para não discutir com o Bruno, para não ter que cuidar da Ana Carolina e do Gustavo, para não ouvir a d. Mirtes, para não ir trabalhar. Adoeço, durmo. Desperto cansada, bebo água, ligo o rádio, desligo, faço xixi e volto para a cama. Dias, dias, dias... Não tenho ânimo pra pedir ajuda. Bruno não me ajuda. Choro. Não me mantenho alerta para rezar. Desisto. Durmo.
15 março 2012
74/365
Naiara
Passou os dedos pelos meus cabelos. Prometeu amor eterno, ali, em segundos. Fechei a cara, chorei. Depois da transa a contragosto, voltei a chorar. Levantei e comi 12 chocolates. Ele não disse nada, mas eu vi quando arregalou os olhos. Toda mulher nota isso. Murmurei, nervosa, "o que é?". Ele insistiu na discrição. Sorriu amavelmente. Ofereceu o aconchego de sua asa e me enfiei ali, com vontade de ser pra sempre. Na TV, BBB. E eu chorei muito. A prova do líder foi cruel.
Naiara
Passou os dedos pelos meus cabelos. Prometeu amor eterno, ali, em segundos. Fechei a cara, chorei. Depois da transa a contragosto, voltei a chorar. Levantei e comi 12 chocolates. Ele não disse nada, mas eu vi quando arregalou os olhos. Toda mulher nota isso. Murmurei, nervosa, "o que é?". Ele insistiu na discrição. Sorriu amavelmente. Ofereceu o aconchego de sua asa e me enfiei ali, com vontade de ser pra sempre. Na TV, BBB. E eu chorei muito. A prova do líder foi cruel.
14 março 2012
73/365
Andréia
13 março 2012
72/365
Emília
13 de abril de 2012 - Pronto. Marquei uma data. Daqui a um mês, vou largar para sempre o cigarro. Motivo: saúde. Exclusivamente, pois tenho um tumor nas cordas vocais em pleno (e célere) desenvolvimento por conta desse conceito/objeto, que já foi minha comida, meu charme, minha muleta. Mas não estou feliz e vou registrar, neste meu diário fiel, a minha profunda indignação: dezoito anos atrás, quando pus o meu primeiro cigarro na boca, fui uma jovem ousadinha, inteligente, boêmia e extremamente sensual. Nos bares, à espera de um amigo ou amante, cruzava as pernas e acendia um free. Um movimento de cabeça fazia com que os cabelos ganhassem volume, o olhar focava desfocado o horizonte. Eu era um desenho vivo do objeto de desejo de homens e de admiração das mulheres. “Tem fogo?”, pediam. “Fogo?”, ofereciam.
O cigarro era o começo de uma amizade ou de uma bela trepada.
12 março 2012
71/365
Cibely Spíndola
11 março 2012
70/365
Oyá
São nove os filhos que eu pari. Mas meus protegidos são muitos mais. Me evocam quando o céu quer escurecer, se um vento cerra portas com violência, um raio cai ou caso uma tempestade comece a se formar. É quase um pedido de piedade. No entanto, nem tudo está ao meu alcance - por que cessar o óbvio? o certo? o inevitável? Lanço à Terra o que a Terra precisa/provoca. Serviço feito, danço, balanço cabelos, vermelheio vestiário, boca e faces. Tão humana quanto pareço. Tão entidade quanto me respeitam. E sigo ajudando, tão justa quanto mereçam.
Oyá
São nove os filhos que eu pari. Mas meus protegidos são muitos mais. Me evocam quando o céu quer escurecer, se um vento cerra portas com violência, um raio cai ou caso uma tempestade comece a se formar. É quase um pedido de piedade. No entanto, nem tudo está ao meu alcance - por que cessar o óbvio? o certo? o inevitável? Lanço à Terra o que a Terra precisa/provoca. Serviço feito, danço, balanço cabelos, vermelheio vestiário, boca e faces. Tão humana quanto pareço. Tão entidade quanto me respeitam. E sigo ajudando, tão justa quanto mereçam.
10 março 2012
69/365
Jeanne
Julguei ter sido esquecida ou preterida. Afastada de minha irmã e meu afilhado. Mas não. Eu sequer consigo conceber o quanto sou amada e o quanto paira sobre mim um manto protetor de amor puro. Isso é o que me contam e eu não compreendo. Eu amo também, mas nem sempre sou capaz de me espalhar. Me tranquei, me fechei, me retive. Mas volto a compartilhar, aos poucos, o que é bom. Sou guerreira, sou trabalhadora. Inteligente e bela. Admirada e reconhecida. Um dia batizo o menino.
Jeanne
Julguei ter sido esquecida ou preterida. Afastada de minha irmã e meu afilhado. Mas não. Eu sequer consigo conceber o quanto sou amada e o quanto paira sobre mim um manto protetor de amor puro. Isso é o que me contam e eu não compreendo. Eu amo também, mas nem sempre sou capaz de me espalhar. Me tranquei, me fechei, me retive. Mas volto a compartilhar, aos poucos, o que é bom. Sou guerreira, sou trabalhadora. Inteligente e bela. Admirada e reconhecida. Um dia batizo o menino.
09 março 2012
68/365
Valeriana
Depois da novena, escrevi ao meu menino. Espero que lhe entreguem a carta. As pessoas que circulam por aqui não parecem confiáveis. Prezo muito pela confiança. "Filho, leia sozinho. Tire-me daqui, por favor. Há vermes por todos os lados. Aqui é bem sujo. Te amo, se cuide, te espero. Mamãe". Sim, sim, imagino que vão entregar. Hão de ser honestos. Conto os dias pra voltar pra casa.
Valeriana
Depois da novena, escrevi ao meu menino. Espero que lhe entreguem a carta. As pessoas que circulam por aqui não parecem confiáveis. Prezo muito pela confiança. "Filho, leia sozinho. Tire-me daqui, por favor. Há vermes por todos os lados. Aqui é bem sujo. Te amo, se cuide, te espero. Mamãe". Sim, sim, imagino que vão entregar. Hão de ser honestos. Conto os dias pra voltar pra casa.
08 março 2012
67/365
Xantipa
07 março 2012
66/365
Hélia
A mão gelada e dura, que muitas vezes foi algoz de mímicas ameaçadoras e até de tapas, agora deslizava suavemente por dentro da minha blusa, até o bico do meu seio esquerdo. Não dissemos nada. Confusa, me deixei arrepiar enquanto assinava veementemente os papéis do divórcio. Estávamos no fórum. Os dois advogados, depois das discussões calorosas e, finalmente, do acordo, nos deixaram a sós. E o filho da puta do Rafael se levantou e veio tocar o meu corpo. Como se fosse meu dono. Como se ainda quisesse me mostrar que me conhece inteira e sabe me amolecer. Deixei.
Hélia
A mão gelada e dura, que muitas vezes foi algoz de mímicas ameaçadoras e até de tapas, agora deslizava suavemente por dentro da minha blusa, até o bico do meu seio esquerdo. Não dissemos nada. Confusa, me deixei arrepiar enquanto assinava veementemente os papéis do divórcio. Estávamos no fórum. Os dois advogados, depois das discussões calorosas e, finalmente, do acordo, nos deixaram a sós. E o filho da puta do Rafael se levantou e veio tocar o meu corpo. Como se fosse meu dono. Como se ainda quisesse me mostrar que me conhece inteira e sabe me amolecer. Deixei.
06 março 2012
65/365
Sueli
05 março 2012
64/365
MagdaTenho poucas decisões a tomar, não me faltam dinheiro e amor. Minha família é estável. Nunca usei e nunca tive amigos que usaram ou usam drogas. Não há alcoólatras em meu raio de relacionamentos. Meus colegas de trabalho são bacanas, minhas contas estão em dia, meus filhos vão bem na escola. Meu marido é amoroso, mesmo depois de doze anos juntos, e meus amigos são fiéis e compreensivos. Vou à igreja regularmente. Comungo. Não tenho muitas rugas, não sou gorda, não sou feia, não cheiro mal, não tenho traumas. Mas existe algo que eu não tenho. E eu não sei o que é. E procuro não procurar saber, mas essa ausência me incomoda. E me faz chorar convulsivamente todas as noites.
04 março 2012
63/365
Edna
Vestiu roupas pesadas, apesar do calor, para economizar espaço na mala. Certa vez, ouviu como uma espécie de conselho que nós só devemos possuir o que podemos carregar. Não conseguia parar de pensar que possuía um lar e não conseguiu encaixar essa conclusão no conselho. Debruçou-se numa mureta com boa vista em Santa Tereza. Talvez calculava para onde iria. Talvez dava a si um momento para ter pena dela mesma ou para lamentar qualquer coisa. Agradeceu por não sentir dores, por estar saudável, por ter um pouco de dinheiro e por ter um celular com fones de ouvido. E partiu.
Edna
Vestiu roupas pesadas, apesar do calor, para economizar espaço na mala. Certa vez, ouviu como uma espécie de conselho que nós só devemos possuir o que podemos carregar. Não conseguia parar de pensar que possuía um lar e não conseguiu encaixar essa conclusão no conselho. Debruçou-se numa mureta com boa vista em Santa Tereza. Talvez calculava para onde iria. Talvez dava a si um momento para ter pena dela mesma ou para lamentar qualquer coisa. Agradeceu por não sentir dores, por estar saudável, por ter um pouco de dinheiro e por ter um celular com fones de ouvido. E partiu.
03 março 2012
62/365
Germana
É uma harpia. Mede 93cm, pesa 7,3kg, tem penas brancas na cabeça e cinzentas no corpo. Gola escura e imponente. Elegante. Está há muitos minutos à espreita. Um macaco se aproxima. É esperta, inteligente. Prepara o bote. Visualiza o sucesso, com paciência e malícia. Belo banquete. O pobre primata, inocente, chega, galho por galho. Belisca sementes, se admira com a paisagem, saltita. O calor é insuportável. Sorrateira e aguda, ela o surpreende e - zap - agarra-lhe as orelhas como um macho safado merece. Unhas enormes. Ele enlouquece, mas ela parece piedosa - é rápida. Devora-o.
Germana
É uma harpia. Mede 93cm, pesa 7,3kg, tem penas brancas na cabeça e cinzentas no corpo. Gola escura e imponente. Elegante. Está há muitos minutos à espreita. Um macaco se aproxima. É esperta, inteligente. Prepara o bote. Visualiza o sucesso, com paciência e malícia. Belo banquete. O pobre primata, inocente, chega, galho por galho. Belisca sementes, se admira com a paisagem, saltita. O calor é insuportável. Sorrateira e aguda, ela o surpreende e - zap - agarra-lhe as orelhas como um macho safado merece. Unhas enormes. Ele enlouquece, mas ela parece piedosa - é rápida. Devora-o.
02 março 2012
61/365
Liana
Um dia a minha bunda vai cair. Minhas coxas e braços serão ossos e pelancas. No meu pescoço, papada mole. Minha pele, sem viço, não vai exalar um cheiro natural bom. Rugas vão esconder a juventude que talvez ainda vá existir nos olhos, nos sonhos, na imaturidade de decisões, na inquietude. Só vou despertar o interesse de uma ou duas crianças curiosas, que quererão ouvir histórias e tocar meu corpo em predecomposição. E é possível que eu morra sem mesmo me lembrar dos nomes das pessoas - num autismo senil -, sem ser capaz de sentar e rebolar no pau do amor da minha vida ou sem conseguir fritar um ovo para o meu filho ou rir da piada de uma amiga tão espirituosa.
Liana
Um dia a minha bunda vai cair. Minhas coxas e braços serão ossos e pelancas. No meu pescoço, papada mole. Minha pele, sem viço, não vai exalar um cheiro natural bom. Rugas vão esconder a juventude que talvez ainda vá existir nos olhos, nos sonhos, na imaturidade de decisões, na inquietude. Só vou despertar o interesse de uma ou duas crianças curiosas, que quererão ouvir histórias e tocar meu corpo em predecomposição. E é possível que eu morra sem mesmo me lembrar dos nomes das pessoas - num autismo senil -, sem ser capaz de sentar e rebolar no pau do amor da minha vida ou sem conseguir fritar um ovo para o meu filho ou rir da piada de uma amiga tão espirituosa.
01 março 2012
60/365
Mônica
situação 1
M - Paulo, hoje ouvi na Band News um certo "Paulo Bittar" opinando sobre o trânsito na saída da Candangolândia. Às 8h30. Era você?
P - Claro que não, chefa. Foi coincidência.
situação 2
M - Gente, eu adoro a Band News. Escuto todo dia. Queria participar dessas dicas que os ouvintes dão sobre trânsito.
P - Também adoro. Todo dia escrevo um e-mail falando como está o trânsito na saída da Candanga, onde moro. Sempre lento... terrível.
Mônica
situação 1
M - Paulo, hoje ouvi na Band News um certo "Paulo Bittar" opinando sobre o trânsito na saída da Candangolândia. Às 8h30. Era você?
P - Claro que não, chefa. Foi coincidência.
situação 2
M - Gente, eu adoro a Band News. Escuto todo dia. Queria participar dessas dicas que os ouvintes dão sobre trânsito.
P - Também adoro. Todo dia escrevo um e-mail falando como está o trânsito na saída da Candanga, onde moro. Sempre lento... terrível.
Assinar:
Postagens (Atom)