30 março 2012

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Dona Neide

Quando viva, era a piada da turma. Os garotos a perturbavam até que ela explodisse em berros. Abria a porta de casa e expulsava com rodo em punho os que cantarolavam pilhérias, tocavam a campainha ou lançavam nomes feios. Era muda – não podia rebater. Os apelidos “Velha Azeitona”, “Carcaça” e “Maria Paçoca” eram respondidos com uivos e gritos de horror. De longe, eu via uma boca escura de poucos dentes. Diziam que ela não tinha língua. A vizinhança se dividia, ora por não tolerar a algazarra, ora por – calada – espiar curiosa das janelas ou mesmo estimular os garotos. Ela não recebia visitas. Passava o dia a limpar a casa, a arrastar móveis e a cuidar do jardim. Às vezes, gosto de imaginar o que falaria se pudesse. Talvez retrucasse; talvez até agradecesse o movimento vespertino de uma vida tão monótona. Ouso apostar que, agora, a sete palmos, sente saudades dos garotos.

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