03 janeiro 2012

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Isabel

Como alguém poderia saber? Meu vizinho, seu Júlio da padaria, Márcia do sacolão. Mas hoje todos me olharam diferente. A cada “Bom dia, dona Isabel” pelo caminho eu me sentia denunciada. A roupa era a mesma – da caminhada diária. Quando cheguei à porta do prédio, parei antes de entrar. Olhei em volta. Nenhum conhecido. Cronometrei o tempo. Não poderia demorar mais que o regulamentar da caminhada. Os rapazes muito simpáticos me receberam, preenchi a ficha, conheci as instalações. “A senhora já começa hoje?”. Olhei para o relógio. “Sim, acho que dá tempo. Quinze minutinhos, tá?”. Ele me colocou num aparelho enorme, com luzes piscando, números. Comecei minha caminhada artificial. Hoje, excepcionalmente, mais curta. Blindada do cheiro da rua, do sol e da chuva, dos “Bom dia, dona Isabel”, dos vigias incansáveis. Evitei o espelho, certa de que me sentiria como uma daquelas moças dali: finas, magras, com longos cabelos e roupas de grife. E me senti. Era ali que eu queria ficar todas as minhas manhãs. Sem que ninguém soubesse.

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