06 fevereiro 2012


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Susana

Exibia um vestido de colorido antigo. Piaçava e sabão caseiro. Esfregar o chão cimentado da casa era a sua maior alegria, aliviava tensões. Mas já não havia tensões. Ao longo dos anos, fora se tornando a única dona do apartamento térreo de dois dormitórios, banheiro, sala, cozinha e esse quintalzinho de lambuja, em La Habana Vieja. Amava o quintalzinho – ali fizera uma pequena horta. Desligava a mangueira e cantarolava, mal podendo esconder – de si – o sorriso. És mi casa, mi casa. O peso dessas palavras fazia uma vibração forte no peito, como se tambores fossem surrados ali mesmo. Conseguira um pouco de tinta para o quarto das crianças, ganhara de uma vizinha dois jarros pesados, onde plantaria rosas. O velho rádio ligado competia com o “tcha tcha tcha” da vassoura. E Susana misturava os movimentos de limpeza com o rebolado suave da nueva trova que escutava.

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Odete

O seu ídolo da juventude estava em estado grave num hospital de Nova Lima. Ela, uma barata tonta pela casa. Bebia água, ligava a TV, desligava. Ora queria notícias, ora queria evitar o pânico. Respirava, conseguia sentar-se. E logo recomeçava o vai-e-vem. Precisava fazer alguma coisa. Internet, notícias, traqueostomia, infarto. Telefonou para várias empresas de ônibus, fora do horário de atendimento. Queria ir até onde ele está, mas pra quê? Levaria flores? Calcinhas? Chorava. Uma voz lhe dizia “as pessoas morrem um dia”. Mas não ele, não o melhor cantor romântico de todos os tempos, o homem mais feio e sensual que já lhe cruzara o caminho, ainda que ela nunca tenha conseguido ir a um show (quando ele esteve em Cuiabá, ela caíra de cama. Teve dengue). Não conseguia dormir nem conter as lágrimas. Resolveu masturbar-se. Esperaria amanhecer para tentar comprar as passagens.


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Luzia

Enquanto dormia, sentiu uma dor terrível. Talvez no peito, talvez no baixo ventre – não conseguia identificar. Era sonho. Remexia-se. Acordou Jonas, que a viu suar e voltou a dormir. Via-se deitada numa maca, com médicos em torno de uma lâmpada tão aguda quanto a dor. Parou de se sacudir, experimentando uma espécie de alívio por estar nas mãos de profissionais. Mas essa sensação logo se dissipou. Abriu os olhos e viu-se no próprio quarto. Identificou o local da dor quando sentiu que sangrava muito entre as pernas. Pálida, lembrou-se que estava grávida e concluiu que perdia o bebê. Olhou para Jonas. Não conseguiu chamá-lo.

Um comentário:

Manoel Rodrigues disse...

sim, luzia; agora não luz mais.