26 fevereiro 2012

57/365
Gabrielle

Não me lembro de ter existido um tempo sem balé. Pendurada num dos peitos de minha mãe, acompanhava atenta os movimentos unilaterais dela, ensinando crianças e moças. Suavidade, doçura, beleza. Não tive oportunidade de me apaixonar por essas coisas - um balé para espectadores. Minha vida era a de bastidores, de coletes costurados no corpo, de maquiagem em andamento para cobrir espinhas enormes, de toucas de meia de seda, de pés feridos e calejados. Gente ensaiando dia e noite, gente chorando de dor ou de desespero, gente brigando - geralmente minha mãe, distribuindo ordens. Antes de saber andar, correr, brincar, eu já sabia dançar. E com sapatilha de ponta. O pescoço sempre alongado, peso controlado, cada mudança de braço, rodopio, estiramento de perna devidamente controlados e cronometrados. Contabilizo pouquíssimas vezes que me permiram comer chocolate ou brincar num parquinho de praça. Além disso, não sei o que faria se precisasse depositar um cheque no banco ou comprar uma passagem aérea. Sempre existiram assessores pra isso. Não acredito em deus, nunca fui a igreja alguma; sei fazer coques perfeitos, me maquiar e chorar sozinha, depois de cada apresentação e antes dos aplausos finais.

Nenhum comentário: